16.9.07

Ajuizar

Como era facilmente previsível vai longa a discussão entre aqueles que “compreendem” ou “contextualizam” e, portanto, percebem o quase murro dado por Scolari a um jogador da equipa adversária no final do Portugal – Sérvia da passada quarta-feira, e os que não lhe perdoam a atitude, pedindo castigo exemplar para o seleccionador dos AA portugueses. Estes, além de reivindicarem a demissão de Scolari, seja por iniciativa do próprio seja por decisão da Direcção da FPF, julgam e condenam apenas com base naquilo que, vá-se lá saber porquê, consideram dever ser um comportamento imaculado por parte de um profissional de um qualquer ofício.
Quando deixei aqui este pequeno texto, apenas quis dizer que o destino de Scolari na FPF estava traçado, mesmo que Portugal possa vir a ganhar o Europeu de 2008. Disse-o, e repito-o. Porém, não me parece, nem me pareceu, que a atitude de Scolari, e sobretudo depois de analisadas as suas circunstâncias, visto o pedido de desculpas feito publicamente e tendo em conta a sua qualidade profissional e os resultados apresentados nos últimos quatro anos à frente da selecção portuguesa, mereça uma pena mais pesada do que uma multa pecuniária e uma advertência por parte da FPF, além de, noutro contexto, uma sanção justa e proporcional a aplicar pela UEFA, mas que, naturalmente, só será tomada depois de recolhida informação que será adequadamente analisada. É, afinal, assim que deve ser quando se trata de julgar e, eventualmente, condenar quem quer que seja ou o que quer que seja.
Toda esta polémica fez-me recordar ainda o exagero, ou a desproporção, das “penas” unilateralmente impostas pela FPF aos jogadores portugueses sub-20 que foram expulsos no derradeiro jogo disputado por Portugal no mundial realizado no Canadá este Verão, mas também reconhecer a capacidade que muitos de nós temos para ser exigentes e intransigentes, radicalmente exigentes e intransigentes, diria mesmo, quando se trata de “avaliar” o comportamento dos outros e exigir-lhes muitíssimo muito mais do que exigimos a nós mesmos ou àqueles de quem gostamos ou com quem nos identificamos.
Ainda assim, estes exageros merecem tudo menos um juízo idêntico por parte daqueles que, como eu, deles discordam. Daí que pense ser suficiente que nos limitemos a – sobretudo ao tratar-se de futebol – demonstrar a incoerência das teses defendidas. Basta ler, entre outras, a posição inflexível e altamente moralista de Daniel Oliveira sobre o caso, mas acima de tudo absurda e incoerente. Eu explico. Sendo público que Daniel Oliveira é um “grande sportinguista”, proponho aqui que se imagine o que ele não terá sofrido até há um par de anos quando, no “onze” da sua equipa do coração, jogavam dois homens que, segundo ele, embora nunca o refira, representam aquilo que mais vil pode existir no desporto-rei. É que no Sporting jogaram durante alguns anos homens como Sá Pinto (que esmurrou Artur Jorge quando este era “seleccionador” nacional) e João Pinto (que agrediu, também ao murro, o árbitro do tristemente célebre Portugal – Coreia do Sul no Mundial de 2002). Acrescentaria mesmo, que dada a natureza desta dupla maravilha, ainda hoje Daniel Oliveira, coerentemente, não contabilizará os títulos que o seu Sporting conquistou enquanto estes artistas da bola vestiram de “lagarto”. E no entanto, todos sabemos que nada disto passou alguma vez pela cabeça de Daniel Oliveira. Mas para que se não pense que algo me move contra o autor do Arrastão e o seu Sporting, apenas sublinho o óbvio. Todos aqueles que inapelavelmente condenam Scolari porque sim, deviam fazer um esforço para encontrar na vida dos seus clubes comportamentos idênticos ou piores do que o de Scolari na passada quarta-feira. Quantos dirigentes, treinadores ou jogadores do nosso clube do coração fizeram do pior que se pode imaginar e nunca mereceram, porque realmente não valia a pena, comentários e juízos tão desconchavados? Exemplos não faltaram e motivos para corar de vergonha ainda menos. Verdade?

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