12.1.08

José Medeiros Ferreira

Apesar de apenas por uma vez, e por muito pouco tempo, ter sido ministro, Medeiros Ferreira tem uma vida (e digo uma vida e não uma carreira) política singular entre os homens e mulheres da sua geração que se opuseram a Salazar e a Marcello, e depois lutaram pela instauração e consolidação de uma democracia liberal e social – este último termo, segundo Medeiros Ferreira, na entrevista de hoje na RTP 2, muito desaparecido ultimamente do vocabulário do PS e do Governo Sócrates.
Não vou agora resumir a sua biografia política que remonta ao início da década de 1960 e que, provavelmente, alguns terão algumas vezes antecipado poder ter chegado ao fim em vários momentos, nomeadamente quando Sócrates, eleito secretário geral do PS, praticamente o escorraçou do partido, ou quando, mais uma vez, se envolveu numa candidatura presidencial perdedora – desta vez a de Mário Soares. Aliás, esta tendência de Medeiros Ferreira para apostar, desde 1976, em combates políticos que redundaram em fracassos de maior ou de menor monta (embora com alguns êxitos importantes e reconfortantes pelo meio), quando se trata de um homem muito inteligente e de uma grande experiência política, cria à sua volta, e pelo menos do meu ponto de vista, uma certa neblina que não permite destrinçar aquilo que efectivamente está em causa em muitas das suas atitudes e escolhas. E isto é assim, mesmo que digam que Medeiros Ferreira faz política em nome de ideias e ideias, por vaidade e/ou pela simples paixão – que também será vício.
Mas em Medeiros Ferreira aprecio e valorizo cada vez mais, e aí reside a sua singularidade consolidada de analista, comentador e, também, de político eternamente activo (mas não no activo), o facto de estar a conseguir cumprir, mais do que nunca, aquela que é, certamente, a ambição de um homem eternamente preocupado com o mundo à sua volta. Escreve e fala regularmente nos jornais, nas rádios, nas televisões e na blogosfera com uma precisão, frieza (que é também paixão), inteligência e ironia (ora de fora da política para dentro desta, ora de dentro desta para fora), que o torna numa personagem com uma identidade única no nosso regime político. A sua já citada entrevista de hoje à RTP 2, mas que o Público publicará amanhã Domingo e a Rádio Renascença reproduzirá, também amanhã, antes do almoço, foi um exemplo disto tudo: de alguém que analisando não deixa de intervir no momento certo e no sítio certo, fazendo questão que assim seja.
Boa gente, desiludida com os destinos da pátria e que reconheça em Medeiros Ferreira qualidades políticas muito acima da média, dirá que é uma pena que um homem como este não tenha estado mais próximo do exercício do poder político em Portugal nos últimos 30 anos. Por mim, e desde logo, estou convencido de que não esteve assim tão afastado. Afinal, foi deputado em várias legislaturas e, antes disso, deputado à constituinte, além de “eurodeputado” (o que não é de somenos). Mas sobretudo, e egoisticamente, devo dizer que não desejaria ver um homem que não é da minha área político-ideológica – ou eu não sou da dele – a tornar mais eficaz e respeitável política e intelectualmente o campo dos outros, ao mesmo tempo que poderia acabar por nos privar tanto do convívio quotidiano que nos proporciona nos media modernos, como da redacção de umas memórias que, só hoje percebi, não deixará um dia de publicar.
Foto: fcsh- unl.

4 comentários:

josé medeiros ferreira disse...

Olhe que o Mendés-France esteve menos tempo à frente do governo francês!
Noto um talento indisfarçável pela biografia.Veja os bichos.

Gi disse...

O que teremos de fazer para convencer J. medeiros Ferreira a abrir a caixa de comentários do seu blog?
:-)

il _messaggero disse...

...para além do seu percurso político, devo realçar o seu percurso académico...

...pessoalmente devo dizer que foi um grande professor que tive.

saudações professor!!

Daniel Melo disse...

É um vintage português!
E não abundam por cá...