O debate desta noite em Espanha, opondo os dois principais candidatos à presidência do Governo daquele país, foi não só interessante como importante. Importante porque retomou uma prática interrompida durante várias legislaturas e usou uma metodologia de debate equilibrada entre a máxima liberdade e o controle mínimo mas eficaz do papel a desempenhar pelo moderador e das tentações monopolizadoras do discurso por parte dos dois contendores. Foi também importante por ter sido um debate esclarecedor quanto à forma como Zapatero e Rajoy entendem o país que pretendem governar, embora muito menos quanto à apresentação e discussão de programas de Governo.
Sucede que política e ideologicamente Zapatero e Rajoy têm um entendimento muito diferente daquilo que foi, é e deverá ser a Espanha. Apesar de potencialmente polarizadoras da sociedade espanhola, as diferenças existentes entre PP e PSOE e entre Rajoy e Zapatero são estimulantes e fizeram-me ver pela primeira vez que a democracia espanhola e sociedade espanhola perderiam a prazo alguma coisa se ambos aqueles líderes se posicionassem mais ao centro. Ou seja, em Espanha há posições claras e divergentes sobre os mais variados temas e tal facto, ao qual Rajoy e Zapatero dão corpo e voz, só enriquece uma sociedade e um sistema político democrático.
Quanto aos detalhes, e apesar do simplismo propositado, pareceu-me que Rajoy olha para a Espanha enquanto estado e nação nascidos e consolidados pela vontade e pelo esforço desenvolvido a partir do reinado dos reis católicos. Pelo contrário, a Espanha “plural” de que Zapatero fala e vai tentando construir, pareceu-me hoje, como nunca, a Espanha medieval anterior aos reis católicos. Este facto é importante em si mesmo, para a Espanha, para os espanhóis e, pelo menos, para a Europa. Mas é também importante para Portugal, porque caso essa espécie de Espanha medieval possa ser restaurada pelo PSOE de Zapatero, a posição e o papel de Portugal em Espanha (aqui como sinónimo de Península Ibérica) alterar-se-á substancialmente. Zapatero mostrou ainda todo o seu optimismo e a sua crença (penso que não será cínica) na bondade de todos os homens e mulheres. Até nisto é um socialista e um homem de esquerda. Rajoy, pelo contrário, é um pessimista, ou, se quisermos, um realista. Tal ficou bem evidente na forma, por vezes exagerada, como analisou e comentou a realidade da imigração em Espanha.
Quem viu o debate percebeu também que Zapatero e o seu Governo puderam gozar uma conjuntura económica que o PP de Aznar preparara para o PP com Rajoy à frente do Governo. Também se viu Zapatero fazer tanta oposição aos oito anos dos governos de Aznar, como Rajoy fez aos quatro anos do governo de Zapatero. Rajoy não devia ter falado como falou das vítimas do terrorismo, mas esteve quase sempre bem na forma como atacou Zapatero, sendo particularmente incisivo no modo como criticou a política de educação do PSOE baseada que é em chavões político-ideológicos em que, infelizmente, a motivação, e não o esforço, se considera serem a chave do sucesso. Talvez porque teve sempre a primeira palavra e Zapatero a segunda (ou a última), pôde Rajoy ser tão assertivo nas perguntas, nas críticas e nas análises. Isto é tanto mais surpreendente quando Rajoy é menos mediático do que Zapatero e está habituado a perder (quase) todos os debates que fez com o chefe do Governo no parlamento de Madrid. Finalmente, gostaria de deixar uma nota para sublinhar que cada vez mais em Espanha o grosso de muitas políticas sociais são feitas ao nível regional e local. Disso deu conta Rajoy ao tentar e conseguir (?) demonstrar a Zapatero e aos eleitores espanhóis que, por exemplo, no domínio da habitação social ou do apoio aos cidadãos “imobilizados” o Governo da Comunidade de Madrid ou a Câmara Municipal de Madrid fazem tanto ou mais do que o Governo para toda a Espanha. E já me esquecia. A “Europa”, em si mesma, esteve ausente do debate. Uma prova de que os silêncios são mesmo muito importantes.